sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Moda:um espelho de mudanças no mundo.

Hoje as mulheres se vestem como nas décadas anteriores, só que sem a ideologia que essas décadas carregavam por trás dos figurinos. Ou melhor, usando justamente os figurinos para negar as ideologias anteriores.
As moças do pós-guerra cortaram seus cabelos de Veronica Lake para que estes não lhes caíssem nos olhos e elas pudessem enxergar melhor o seu recém-inaugurado métier de operárias . Veronica e seu cabelo não condiziam mais com o que a época requeria: agilidade e competência. E tanto o lindo cabelo comprido de Verônica, como ela própria, caíram em desuso, deixando de ser símbolos. O ícone da mulher moderna passou a se distanciar do feminino (ou do que se estabeleceu ser feminino). A mulher passou a se vestir de tailleur, que masculinizava o seu corpo, com enormes ombreiras que lhe fortaleciam o porte. Sapatos anabela substituíram o salto fino da mulher bibelô e o look masculino e agressivo de Marlene Dietriech passou a determinar o sucesso. Mas isso era só uma espécie de fantasia, uma fachada, já que, no comportamento, as mulheres continuavam as mesmas. Nos anos 50, os enchimentos saíram dos ombros femininos para os sutiãs, e as cinturas foram novamente apertadas por cintas que as reduziam à metade. Era a volta, outra vez, ao que se estipulou chamar de feminilidade. O símbolo dessa mulher-tanajura era Gina Lolobrigida, ditando as regras novamente de cima dos saltos finos, certamente por exigência dos homens, que já tinham voltado há muito da guerra e aos antigos preconceitos. A década de 50 idealizava a mulher numa feminilidade não só de cintura fina e saltos altos mas também de subserviência. A mulher era a dona-de-casa perfeita, que recebia o marido à noite de robe de nylon semi-transparente, sorriso nos lábios e dry-martini na bandeja, tipo Doris Day. Os vestidos ''tomara-que caia'', de barbatanas realçando o busto, e cinta pra diminuir a cintura escancaravam uma sensualidade velada, de mulheres que ainda sonhavam com o altar, uma aliança de ouro para sempre no dedo esquerdo e um marido, que, obviamente, as bancasse e cobrisse de jóias. Os homens concordavam com essas exigências e juravam o mesmo amor eterno à mulher que dedicavam à secretária, no escritório, no Centro da cidade. Em geral bonitinhas, solteiras, de cabelo ''demi de biquinho'' ou demi sem biquinho'', risonhas e, principalmente, ''cúmplices'' da senhora do patrão.
Cansadas de sorrir, fazer dry-martinis, anunciar geladeiras e máquinas de lavar na televisão, e sobretudo do golpe das secretárias, quase sempre sinônimo de amante do marido, as mulheres dos anos 60 queimaram os sutiãs em praça pública e meteram literalmente os peitos, delineados agora pela camiseta, na luta desenfreada pelos seus direitos. O direito de obter os mesmos postos que os homens nos seus trabalhos; o direito de receberem o mesmo salário; de transarem com tantos homens quanto os homens transavam com mulheres; de ter um secretário; e de rachar as despesas, já que tinham deixado de ser objetos.
As saias foram levantadas como minibandeiras coloridas, acenando a liberdade sexual conquistada com sessões de psicanálise e pílulas anticoncepcionais. Cintas e robes transparentes foram substituídos por batas indianas, que igualavam homens e mulheres no visual, trazendo para o Ocidente a descoberta libertadora da filosofia oriental, que substituía a culpa pelo prazer de viver. Os longos cabelos dos homens e mulheres foram ornamentados de flores à la Hair, numa homenagem à ecologia, que começava a se tornar ciência, pela vivencia comunitária dos hippies nos campos. Deus tinha ressuscitado entre a natureza e as portas da percepção se abriam agora pro infinito, liberando a felicidade bloqueada por preconceitos.
A descoberta da vida refletia-se também nos espelhinhos dos nossos coletes coloridos. Os vestidos amplos nos estimulavam a dançar. As experiencias lisérgicas sintonizaram-se com outras cores e sons provenientes do inconsciente e transformados em moda pela mídia. O mundo transparecia o brilho de uma descoberta holística, influenciando vestimentas, arte e decoração, que hoje voltam ao uso, como num baile de máscaras, sem nenhum compromisso, obedecendo somente ao eterno retorno, já desprovidos do antigo significado ideológico, uma vez que o sentido da moda atual é a liberdade de não conter nenhum sentido, mas de ser a retrospectiva descompromissada de todas as modas e sentidos anteriores. Sem uma cara definida, que possa fazer a mulher pagar mico diante da rapidez vertiginosa com que que moda, mídia celebridades, tribos e comportamentos se tornam obsoletos.

Fonte: http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/colunas/dahl/2004/02/05/jorcoldah20040205001.html

Shirley Neves Oliveira

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